sábado, 18 de dezembro de 2010

BEN BAREK: A PERÓLA NEGRA DE CASABLANCA

Ben Barek: BLACK PEARL OF CASABLANCA


É a terceira madrugada de angústia afogada no uísque em que Rick Blaine tenta esquecer a aventura amorosa em uma Paris sitiada. O bom amigo Sam mais uma vez o acompanha e tenta impedir uma hemoptise de rancor e desesperança.

Algumas horas antes, o inescrupuloso Ugarte tentara atrair a confiança do proprietário do Rick’s Café Americain, a quem queria entregar vistos de saídas roubados de soldados alemães. Foi Sam quem marcou o encontro para a tarde seguinte.

O melhor lugar para Rick receber os documentos sem dar na vista do major alemão Strasser e do capitão francês Renault é o Stade Larbi Zaouli, onde um grande amigo do pianista maravilhava nativos e visitantes com seu futebol digno de cinema.

Nas arquibancadas lotadas do singelo estádio de Casablanca, construído em 1930 e que naqueles anos de Segunda Guerra viu o gênio de Ben Barek voltar a atuar em seu gramado, transcorreria a cena que jamais compôs o clássico filme “Casablanca”.

O roteiro de“Casablanca” ganhou há alguns anos um título que muitos críticos e cinéfilos dão ao próprio filme num todo: de melhor da história em todos os tempos. A obra foi dirigida pelo húngaro Mihaly Kertesz, ocidentalmente famoso como Michael Curtiz.

Mas como teria sido maravilhoso ter inserido um pouco do jogador marroquino Ben Barek na obra imortal; o mais incrível craque que o futebol mundial havia produzido até aqueles anos, considerado décadas depois pela FIFA o melhor do seu tempo.

Nascido na própria Casablanca, em 1914 (há registros que falam em 1917 ou 1919), deu os primeiros toques de classe na bola num timezinho local chamado Al Ouatane. Anos depois, já no L’Ideal Club, atraiu a atenção durante uma Copa Marrocos.

Os dribles espetaculares e dois gols marcados contra o Raja Casablanca, time bem estabelecido no lugar, o levou ao rival deste, o US Marocaine, onde Barek exibiria toda sua técnica e talento por alguns anos da festejada carreira na Europa.

Entre 1934 e 1938, a arte boleira do jogador impôs a hegemonia do time nas praças esportivas de todo o Marrocos. Seus feitos considerados “lances milagrosos” espalharam-se por todo o norte da África e atravessaram o estreito de Gibraltar.

O Marrocos era ainda um protetorado da França, onde a bucólica Casablanca se tornaria destino turístico e ponto de fuga depois do avanço alemão. Em 1938, uma proposta irrecusável do Olympique de Marselha levou Ben Barek para os estádios franceses.

Suas jogadas fenomenais logo lhes deram o apelido de “Pérola Negra” e levaram a sociedade francesa a exigi-lo como jogador do selecionado nacional. Entre 1938 e 1954, vestiu a camisa dos “Le Bleus”, numa longevidade jamais repetida.

Com a explosão da 2ª Guerra, Barek retornou ao Marrocos e ficou mais quatro anos no US Marocaine. E enquanto o inferno de fogo e morte varria a Europa, um sétimo céu (expressão muçulmana para felicidade extrema) se abria em gols e magia na pequena Casablanca.

Derrotado o Terceiro Reich e com Paris resgatada pelas forças aliadas, outro time francês foi pescar a pérola marroquina. Nem havia terminado 1945 e o Stade Français o contratou e novamente a alegria voltou aos campos de futebol do país.

“Vendam o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel, mas não vendam Ben Barek!”, estampou um jornal parisiense quando estourou a bomba de uma negociação com o Atlético de Madrid, que sonhava conquistar títulos a partir dos gols e jogadas do africano.

Os monumentos históricos ficaram em Paris e o patrimônio lúdico dos franceses partiu para os campos ibéricos. Durante seis anos ele encantou platéias e espantou a imprensa espanhola, mas voltando sempre aos franceses nas convocações da seleção azul.



O jornalista e historiador canadense George Fosty, que mora em Nova York, arriscou dizer que Ben Barek talvez tenha sido o maior de todos os tempos: “Infelizmente, por falta de cobertura e registros visuais, nunca saberemos a extensão da sua grandeza”.

Mas a melhor definição sobre a grandeza do craque veio nos primeiros anos em que o mundo descobriu um monarca da bola. Ao ser chamado de “rei” numa solenidade com franceses e africanos, Pelé devolveu: “Se eu sou rei, então Barek é o deus do futebol”.

No dia em que o cinema ousar um remake de Casablanca, quem sabe a magia da “Pérola Negra” apareça radiante devolvendo o amor a Rick Blaine e Ilsa Lund. E após um gol de Barek, o piano de Sam espalhe por sobre as torcidas as notas de “As Time Goes By”.



NOTA: texto de Alex Medeiros, em sua coluna Portfolio, para o Jornal de Hoje (Natal/RN.) de 17/12.

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