sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

MY DARLING CLEMENTINE: TOCANTE DEPOIMENTO


Em um dia de 1969 viajei a Recife, impelido por um motivo muito especial, finalmente ver Paixão dos Fortes (My Darling Clementine/1946), um dos mais belos filmes de John Ford. Entrei no cinema com o filme em andamento, e tive que aguardar a sessão seguinte para vê-lo desde o inicio. Nem bem as luzes foram acessas, aparece Juliano Siqueira na minha frente. Fiquei surpreso, tanto quanto emocionado, pela presença de Juliano, pois jamais me passaria pela cabeça encontrá-lo ali, ou em qualquer local de Recife. Juliano era um dos milhares de brasileiros que, naquela época, eram caçados pelo regime militar. Durante o breve intervalo, ele conversou sem parar, sempre interessado em saber notícias dos antigos companheiros do Cineclube Tirol. E me confessou que fora ao cinema, não só pelo filme, mas na esperança de encontrar a mim ou a Gilberto Stabili.

Mas a alegria daquele reencontro perdia-se um pouco pela apreensão que nenhum de nós conseguiu disfarçar, pela circunstancia de um dos interlocutores ser procurado pelas forças de repressão. Quem viveu aquele período negro da nossa história há de se lembrar de que o medo e a tensão estavam sempre presentes quando as pessoas, mesmo sem estarem com a cabeça a premio, se reuniam para conversar. Felizmente não aconteceu o pior, até o intervalo terminar. E, ao nos despedirmos, disse a Juliano para tomar cuidado.

Se relembro esse fato, é porque, por trás dele, penso revelar-se o lado humano de alguém incompreendido por aqueles que só o conhecem por sua atividade de militante de esquerda. E além do lado humano, a sua condição de grande apreciador de cinema. Naquele dia em Recife, arriscando-se a ser preso, Juliano ia ver um filme que já conhecia e do qual gostava muito. Esse amor pelo cinema, iniciado pela magia de Chaplin, fez com que ele pudesse conciliá-lo com a atividade política, exercida desde os tempos de estudante do Atheneu. No cineclube Tirol ele exerceu os cargos de vice-presidente e de presidente. Depois de vários anos no Rio, ele retornou a Natal, onde, além de se manter na militância política, trabalha como professor da UFRN, advogado e sociólogo.

Francisco Sobreira

Nota: este singelo depoimento está na “orelha” do livro Nas Barricadas do Fim do Século – A (dês)ordem Neoliberal, de Juliano Siqueira – militante comunista dos anos sessenta; ativista do Movimento Estudantil, clandestinidade, resistência armada ao “Regime Militar de 64”, ex-vereador em Natal pelo PC do B, é professor da UFRN, advogado e sociólogo – editado em 1996 pela Editora Anita, São Paulo/SP.

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